Na semana passada li o texto do Sr. Reinaldo Azevedo no
portal da Veja com o título: Você lerá que comissão aprovou ‘projeto cura gay éuma falsa notícia e aqui se explica por quê. Não dei muita atenção àquela
matéria descabida, até receber o email de uma leitora do blog pedindo
informações sobre um vídeo, que usava parte do conteúdo. Antes de iniciar
minhas considerações deixo o link sobre o projeto de decreto legislativo,
intitulado pela imprensa como Projeto ‘Cura Gay’. Ao analisar o projeto cada um
poderá tirar suas próprias conclusões.
Sinceramente, vejo o texto do Sr Reinaldo Azevedo apenas como
uma tentativa ‘baixar a poeira’ frente ao retrocesso que pode ser cometido caso
tal projeto seja, realmente, aprovado (e acredito que não será). É impossível
pensar de forma diferente, esse conteúdo é mais uma forma de confundir a
sociedade, assim como tal projeto. Faltam-lhe muitas informações para opinar
desta maneira sobre a situação. Ele critica o jornalismo militante, mas é tudo
que ele mesmo faz no tal texto. Fica claro, que quem usa de ignorância
bem-intencionada é o próprio, ao comentar de forma tão leviana um tema tão
complexo. Comparar abstinência sexual à orientação sexual é um verdadeiro
insulto aos profissionais que estudam cientificamente a sexualidade humana. Assim
como no jornalismo, segundo ele cita, na psicologia há profissionais e
profissionais. Como, então, ele pode afirmar sobre a legitimidade de uma opinião
valorativa ou não atuação em tratamentos coercitivos? Hipocrisia pura!
O projeto parece uma briga entre o Legislativo e o Executivo,
salvo as Resoluções de outros Conselhos Profissionais não terem sido discutidas
como extrapolando o seu poder regulamentar, o que reflete o caráter
discriminatório e preconceituoso que o deu o apelido de Cura Gay. Muito mais
que isso, o Projeto firma a intolerância e discriminação, e propicia de forma
mascarada o fundamentalismo religioso, que só pode ser percebido na sutileza. Portanto,
eu convidaria Sr. Reinaldo Azevedo a ler mais sobre Sexologia e a História da
Sexualidade Humana, o mesmo digo em relação ao deputado João Campos, autor do
Projeto, que por incrível que pareça, é uma peça da bancada evangélica.
Eu não entrarei em detalhes quanto à passagem bíblica sobre a
homossexualidade, acho que seria redundante. Relativamente a isso, muitas (a
maioria) igrejas condenam orientações sexuais diferentes do padrão
heterossexual. O problema é que algumas acreditam que a fé pode converter uma
pessoa de orientação sexual diferente da heteronormatividade. E mais, ‘curam’
estes fiéis através tratamento da fé. Infelizmente, muitas pessoas em
sofrimento por estarem às margens da sociedade, encontram um acolhimento
necessário e passam a controlar seus desejos e impulsos sexuais pela vontade
Divina. São felizes? Acho bem difícil, quando não podemos ser como gostaríamos.
O controle, provavelmente, traz sofrimento ainda maior.
Quando a homossexualidade ainda era tida como doença,
tentaram-se várias formas de terapia de reorientação, em vão. Os principais
defensores contemporâneos dessa terapia tendem a serem grupos cristãos
conservadores e/ou organizações religiosas. O rigor científico dos estudos sobre
a terapia de conversão é insuficiente para concluir sua eficácia, além de seus
dados sobre segurança e confiança serem extremamente limitados.
Fica mais fácil de entender o raciocínio assim? A sustação da aplicação do parágrafo único do
Art. 3º e o Art. 4º da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº1/99 de 23
de março de 1999 irá privilegiar igrejas e psicólogos que ainda acreditam que a
homossexualidade é apenas uma opção, advinda de problemas relacionais e/ou
espirituais. O tal parágrafo do Conselho é uma forma de combater preconceito e
discriminação e evitar distorções da prática psicológica, pois nem todos os
profissionais têm as mesmas convicções e mesmo discernimento. Em 2009 houve o
caso de uma psicóloga homofóbica (veja aqui), e é claro que não foi o único.
Os jovens estão assumindo a homossexualidade ou a
bissexualidade cada vez mais cedo, e isso se deve a vários motivos. Acontece
que diante desta situação muitos pais procuram ajuda profissional ‘consertar’
seus filhos, em uma tentativa de redirecionamento ou conversão sexual. Neste
momento sim, é necessário uma orientação, mas no sentido de direcionar esta
família, para compreender a situação e saber lidar com ela. Além do mais, os
conteúdos do vídeo e do texto aludem distorcidamente sobre a recepção do
psicólogo a um paciente homossexual, como se este não tivesse direito a
tratamento. Que grande mentira. Os pacientes homossexuais que chegam ao
consultório em sua maioria estão em sofrimento perante os estigmas de nossa
sociedade heteronormativa. E o estigma da sociedade pode caracterizar um
transtorno em pacientes homossexuais, conforme observamos no CID-10 e em outros
manuais diagnósticos, estamos falando da orientação sexual egodistônica. Na
condição egodistônica o indivíduo é ciente de sua orientação, mas deseja ter
uma orientação sexual diferente por causa de seu sofrimento e ansiedade em
lidar com isto. O papel do profissional de saúde neste caso é ajudá-lo a se
sentir melhor consigo mesmo, não reprimi-lo e nem condená-lo, já que levará
muitos anos para mudarmos o pensamento medíocre da sociedade.
Se homossexual fosse apenas uma questão de opção, talvez
veríamos pelas ruas muitos ex-gays bem-resolvidos. A sociedade precisa sair do seu molde
ultrapassado e compreender que falamos de uma condição, uma forma natural do
desenvolvimento humano.
É incompreensível que um projeto contendo apenas 6 páginas
tente derrubar décadas de estudos e prática, assim como Tratados e Declarações
asseguradas por instituições internacionais, como a OMS e ONU (veja aqui), além dele ser inconstitucional. Quanto ao Sr. Reinaldo Azevedo achar que se informou sobre o assunto, parece-me
inacreditável que realmente tenha feito. Um último conselho, não continue se
escondendo atrás do discurso de liberdade de expressão, pois antes de tudo a
notícia de ser informativa, e prezar por verdade.
*Foto retirada da internet.